sexta-feira, 7 de maio de 2010

Descabeçamento

Pingador
Dói a quente
Dói a frio
Dói a beça
Dó cabe
Dói cabeça
Dó doce quente
Dó doce gente
Pinga, ping, pin
Pingadroga
Quente dói
Quem te dói
Quente esquenta
Quem te esquenta
Cabeça quente
Quem te cabeça
Quem te cabe
Quente
Quem
Q
Caque
Caque lamento
Caque xamento
Enxador
Enxa cabimento
Enxa que cabeça
Enxa dada na cabeça
Findador

quinta-feira, 29 de abril de 2010

sexta-feira, 16 de abril de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Intersustentabilidade











Paradigma da Bolha de Sabão

Como podemos avaliar conjuntamente o impacto social, ambiental e econômico de nossas escolhas diárias se não dispomos de indicadores para isso? Ciente da complexidade que é não apenas definir, mas sobretudo alimentar indicadores em qualquer atividade, proponho um conceito que coloque em perspectiva os três impactos a um só tempo, capturando perdas e ganhos parciais assim como o saldo final de nossas escolhas, de produção e de consumo. Batizo a proposta de Paradigma da Bolha de Sabão e parto da problematização do termo sustentabilidade. O que está em jogo quando o assunto é sustentabilidade é a preservação do homem e também de um número incalculável de espécies. A cultura dominante se encarregou de centralizar o homem e suas instituições. Isso colocou a natureza a serviço de ambos. A boa notícia é que, se aceitamos que o homem é dotado de vontade e consciência, logo está apto a rever valores e formular práticas que revertam processos degenerativos nos âmbitos social, econômico e ambiental. É preciso para tanto que adotemos soluções que abracem o problema de maneira sistêmica. A premissa de saída é que somente a transdisciplinaridade conseguirá capturar a interdependência de fatores tão complexos e determinar se a intersustentabilidade é factível ou um sonho tardio. O embate tem que ceder ao debate para superar interesses historicamente conflitantes. É por isso que o projeto precisa contar com um time composto interdisciplinar (sociólogo, economista, ambientalista, filósofo, educador, financista e designer) para pensar os indicadores e estabelecer suas inter-relações. Outro ponto fundamental para o sucesso do modelo é falar ao cidadão comum, no sentido do não especialista, do não militante. Diante de tanta publicidade sobre o tema, o indivíduo tende a assumir uma posição de espectador, de torcedor apenas. Agora, se cada indivíduo for capaz de se ver implicado no problema, estará dado o primeiro passo para que ele faça parte da solução.

Copo descartável ou reutilizável?

Um exemplo do dia-a-dia demonstra como as pessoas estão desassistidas de indicadores que revelem a interdependência e multi-impacto dos seus atos de produção e consumo. O que é mais sustentável na hora de beber água? Do ponto de vista ambiental, o senso comum aponta para o reutilizável, mas já se considerou o impacto do detergente e da água para lavar o copo? E de um ponto de vista intersustentável? Qual dos dois produtos emprega mais, proporciona melhores condições de trabalho, além de emitir menos CO2 para produzir, distribuir e reciclar? Como seria possível consolidar números tão dispersos e fragmentados? Como ajudar as pessoas a fazer suas escolhas?

Descentralizando o homem, centralizando a vida

O centro de gravidade do sistema econômico é o lucro, é em torno dele que seus agentes giram. O econômico impacta, positiva e negativamente, os dois outros sistemas, ambiental e social, mas seu objetivo é, simplificadamente, o lucro. O centro de gravidade do sistema social é o bem-estar, que tem seu conjunto de indicadores. As atividades desse sistema também geram perdas e ganhos nos sistemas econômico e ambiental, mas sua meta prioritária é o bem-estar social. O meio ambiente, por sua vez, gravita em torno das atividades de preservação da biodiversidade. Também o meio ambiente serve a ganhos e perdas socioeconômicas. A proposta do indicador de intersustentabilidade é descentralizar esses sistemas. Por essa perspectiva, cada sistema vira um sub-sistema com sua, digamos, intrasustentabilidade, mas reconhece que é interdependente de um sistema maior. O centro de gravidade desse macrossistema se torna o produto das atividades da tríade, indicando tanto o nível de intrasustentabilidade de cada sub-sistema quanto o nível de intersustentabilidade do macrossistema.

A alegoria da bolha de sabão

O Paradigma da Bolha de Sabão propõe um novo olhar para a questão da sustentabilidade, apropriando-se da bolha de sabão como metáfora do caráter frágil, incontrolável, transitório e interdependente dos indicadores que procura construir. O modelo evoca a técnica e a intervenção humana (representadas pela química do detergente) associadas aos elementos da natureza (água e ar) para a produção e multiplicação das bolhas. Seus atributos são a transparência, a coloração de matiz nuançado, a circularidade e a propriedade de se tornarem mais fortes quando juntas. Por fim, a bolha de sabão representa a polissemia e ambivalência da cultura.
Bolhinhas de sabão podem se formar pelo ato de banhar o bebê e servir ao estudo da atração das moléculas, mas também causar danos ambientais. Cabe ao indivíduo decidir como administrá-las.

Se é visível, existe

A primazia da imagem como legitimadora da existência e aceleradora da aprendizagem impõe criar um Simulador Gráfico de Intersustentabilidade que demonstre visualmente os três desenvolvimentos se afetando mutuamente e relativizando seus ganhos individuais, funcionando como uma espécie de “conscienciômetro” que evita juízos apressados e hierarquizantes e nutre o pensamento e a prática ecossistêmica em toda a sua plenitude.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Curta "Daddy-O"













Esse curta documental se aproxima de uma relação entre pai e filho. Emerson Fittipaldi e seu filho, Luca, relebram o acidente que sofreram de ultraleve em 1997. Aos poucos vão deixando as lembranças dos fatos darem lugar a impressões sobre o tempo, fé, memória e sentimentos. Direção de Hamilton Corrêa e Co-direção de Juliana Di Grazia e Moara Passoni.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Piloto para TV
















Piloto de uma série de TV, conta a trajetória de pessoas que se dedicam a programas sociais voluntariamente. O que se descobre é que o "retorno sobre o investimento" de tempo e talento dessas pessoas vem na forma de uma satisfação incalculável. O programa piloto contou a bonita história do professor de Aikido José Roberto Bueno e seu projeto Ação Harmonia que levou Aikido à comunidade do Jardim Jacqueline, zona sul de São Paulo. A marca do programa (identidade visual e nome) foi uma criação da Vanessa Pasquini e produção da Cinéma Produções. Argumento, roteiro e co-direção Hamilton Corrêa.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Aikineses

O Documentário e a Fé Pública

Começo minha jornada lembrando uma frase atribuída a Jean Rouch que diz mais ou menos assim: “vejo o cinema-verdade como cinema de mentiras; mentiras que dependem da arte de se contar mentiras. Se você é um bom contador de histórias, a mentira é mais verdadeira que a realidade, caso contrário, a verdade não valerá meia mentira”. Com isso vou direto à questão ética do cinema documentário sintetizada no título desse texto. Ao se criar o rótulo documentário para um cinema empenhado na representação do real ou de uma certa realidade, acabou-se por instigar discussões filosóficas sobre o que é o real, o que é a verdade, como o olhar do observador se relaciona com esses elementos, como o cinema lida com essas questões, seja ele ficcional ou documental. São discussões que têm suas inúmeras implicações técnicas e estéticas, mas todas elas subordinadas ao aspecto ético, crucial na discussão do filme como suposto documento. “Documento para ter valor tem que ter um monte de carimbo e assinatura”, diz o senso comum. O que essa frase nos diz senão o que nos diria Jean Rouch numa fictícia e livre adaptação: “um documento é tão crível quanto mais souber contar ou trazer uma boa história, a saber: os carimbos, as assinaturas, os rituais de cartório etc”. Quais são os “carimbos e assinaturas” que podem atestar o valor documental de um filme? São muitos e nenhum. Assim como os carimbos e assinaturas, a técnica e a estética servirão ao realizador para contar sua história, mas seu convencimento dependerá, assim como o documento, do receptor, de seu repertório, quadro mental de referências, do contexto de fruição da obra, da sua disposição em se posicionar criticamente diante do que vê, do momento histórico, de sua fé. Técnica e estética podem servir então para apresentar uma realidade, uma verdade ou para produzir “uma mentira mais verdadeira que a realidade”.

As questões implicadas nessa abordagem são inescapavelmente similares as discussões em torno do jornalismo da época. Cinema-verdade e cinema-direto vão encontrar convergências e paralelos com o jornalismo literário na medida em que a realidade passa a ser entendida como uma integração entre os modos de ver objetivo e subjetivo. Variações no grau de imersão do cineasta documentarista ou do jornalista literário com o universo que deseja retratar é que constituirão as nuanças de aproximação com o mesmo. Ambas as atividades vão dialogar entre si e com outras ciências humanas como antropologia, etnografia, história, sociologia etc, promovendo rupturas de linguagem e tornando as realizações mais sofisticadas técnica e esteticamente. Tais movimentos parecem surgir como uma resposta à tendência de dominação da televisão como meio de representação (ou falsificação) da realidade. Ambas tradições parecem querer desvelar as manipulações, omissões e outras formas de distorção da televisão e do próprio cinema, ao experimentar novas condutas na construção de seus discursos e obras. O ponto é que ao tentar fazer isso, se confrontam com dilemas parecidos, pois toda mediação é interventora, ainda que seja esta apenas o olhar.

Focalizando a atenção para as semelhanças entre os cinemas direto e verdade, podemos nos perguntar se a inspiração dessas escolas vem de um contexto competitivo com a linguagem televisiva e com o cinema ficcional (no sentido de ocupar seu espaço no universo das representações audiovisuais) ou o se é decorrente das novas possibilidades técnicas proporcionadas por câmeras mais leves e o som direto e sincronizado. Ou ambos as coisas.

As similaridades entre direto e verdade não vão, ao meu ver, muito além do fato de ambos disporem das mesmas possibilidades técnicas. Sim, é fato que ambos buscam a representação do real ou um acesso à verdade, mas cada um atribuindo a seu jeito o que é o real, o que é a verdade.

O cinema direto dirá que a intervenção do realizador deve ser quase invisível ou como “uma mosca na parede”. O cinema direto crê na possibilidade de uma isenção no processo de captura do objeto fílmico, sem encenação, trilha em off, entrevistas. Utiliza planos longos, faz uso do zoom como procedimento de chegar perto “de longe”. Na montagem busca o corte mais orgânico possível, capaz de espelhar o tempo natural da realidade retratada. Tudo isso são apenas regras para serem transgredidas em nome de algo mais do que mostrar a verdade. Quer acima de tudo ser uma forma de expressão, encontrar a sua verdade posicionando-se como um observador distante de seus objetos, mas ciente de que sua visão funciona como um filtro, que está construindo seu próprio sentido à realidade que lhe é dada, seja nas escolhas de captação ou de montagem. Numa frase seria “a minha verdade sobre a verdade do outro”. Ou como explicar a cena de Caixeiro Viajante em que o personagem vivencia uma lembrança e o filme recorre a um flashback? O estatuto do cinema direto não fala em acessar as lembranças dos personagens, se não me falha a memória.

Já o cinema verdade parece paradoxalmente menos engajado na busca de uma verdade em sua proposta de realização. Assume compartilhar a realização com seus personagens assim como fazer de seu realizador até um personagem. Abre-se para encenações e opera sem o artifício do zoom. O sentido que tudo isso produz é de uma verdade não do que está sendo representado mas do como está se dando tal tentativa de construção. Numa frase poderia ser “a nossa verdade enquanto filme”.

A questão ética que se coloca não é muito diferente quando vista na perspectiva de outras formas de representação como a literatura ou a fotografia. Tratar ou retratar a vida do outro é sempre complicado desde sempre até hoje, está aí o caso da biografia não autorizada de Roberto Carlos para confirmar. O que o cinema tem de específico é seu poder de alcance, seja nos meios virais, seja na suas forma clássica, a telona. Isso sem falar na telinha, ainda mais poderosa em termos de disseminação e poder de estrago, pois o próprio meio parece contaminar o sentido do que veicula com parte de seu caráter sensacionalista, superficial e parcial.

Afinal, quem é mais ético? O cinema-verdade ou o cinema-direto? A questão anterior é o que é ser ético em arte, já que cinema documentário é arte? A mim parece que quanto mais eu assumir que a minha verdade é a única que me interessa sobre determinado tema, assunto, pessoa ou evento, mais estarei honrando a verdade como um valor. Desde é claro que tal verdade não implique em prejuízo moral ou material a quem ou ao que quer que esteja sendo objeto de meu projeto.

Por tudo isso, acredito que essa discussão não existiria se alguém não tivesse tido a idéia de nomear essa arte de documentário. Não que este cinema esteja completamente descolado da realidade ou verdade, mas porque essas palavras têm uma força que tendem a constranger a arte. Arte é delírio canalizado e transformado em alguma competência. Acho que o cinema documentário deveria ir para o divã. Quem sabe ele não poderia definir melhor sua identidade em vez de ser chamado aqui e ali de docudrama, confundido com reportagens e o mais sombrio dos casos, de reality show? Quem sabe até mudar de nome.


São Paulo, 5 de julho de 2007.

Audiovisual: produto ou obra?

Hoje.

A pergunta-título desse breve ensaio pretende se desdobrar em outras questões que são anteriores ao desenvolvimento de políticas públicas para universalizar o acesso aos bens culturais produzidos pelo setor audiovisual. Essas reflexões problematizam também o que se poderia chamar de universalização do gosto. Não é possível pensar numa coisa sem a outra. O acesso no sentido da disponibilização é mais controlável e é da conta de quem produz, distribui e exibe. Já o gosto é mais complexo e é da ponta que consome, isolando-se nesta abordagem a questão do poder aquisitivo. Recuando um pouco. O audiovisual é um bem cultural que se distingue dos demais por sua latitude. Pode ser considerado tanto um produto de consumo quanto um bem cultural. Também se particulariza por características de sua distribuição. Nenhum outro bem cultural consegue ser distribuído e “consumido” em meios tão diferentes quanto uma sala de cinema, uma TV, um celular, uma poltrona de avião e ainda se remunerar em cada uma dessas janelas. Uma distribuição que se articula em fases de lançamento meticulosamente calculadas para maximizar os ganhos ou minimizar os riscos de perdas de uma atividade que é o próprio risco. Neste ponto a questão da universalização do acesso dialoga com a outra, a do gosto. Avancemos em exemplos. Um documentário, por mais que seja uma produção de altíssima qualidade e obra de um documentarista reconhecido internacionalmente, terá seu público determinado por interesses bem específicos e, portanto, restrito. Sua distribuição ficará confinada a poucas salas. A universalização do acesso neste caso é de uma grandeza relativizada pelo interesse no gênero. Poder-se-ia classificar um filme desses segundo um critério objetivo? Como o nível de mobilização do espectador para fruir a obra, por exemplo? Ou pelo tipo de debate social/político que instiga? Mais ainda, pelo tipo de repercussão que alcança junto a festivais e mostras internacionais de prestígio? Difícil. Certo é que por mais que esse filme conseguisse uma distribuição massiva, seria exibido para “testemunhas”, como bem demonstra a performance de bilheterias de filmes de João Moreira Salles, Eduardo Coutinho, Eduardo Escorel etc. Sem precisar sair de casa para sustentar esse fato, é só constatar a baixa audiência de uma tv pública que exibe ótimas obras audiovisuais. Por outro lado, pensemos num “blockbuster” nacional. Um filme com uma história “fácil”, com astros, temática e apoio globais (de Rede Globo mesmo). Surge a questão: é uma obra de arte tanto quanto aquele documentário que experimentou novas abordagens estéticas e artísticas e ainda trouxe questões que inspiraram outras obras e debates? (caso concreto recente é o Notícias de Uma Guerra Particular de João Moreira Salles que influenciou Cidade de Deus de Ferando Meirelles e Tropa de Elite de José Padilha). Então poderíamos dizer que o gosto passa a ser regido por uma idéia ambígua (e ambivalente) de “claro” Versus “abstruso”, de “alto grau de entretenimento” Versus “alto grau de intelecção”. O quanto é possível, ou melhor efetivo, tratar todo o audiovisual com um mesmo conjunto de políticas públicas? Seria o caso de aprofundar essa questão e insistir numa divisão ainda que arriscada do que é produto e do que é obra? Poderia o Ministério da Cultura se encarregar de políticas para o que é obra e o Ministério da Indústria e do Comércio para o que é produto? De qual competência seria, por exemplo, a regulação da produção audiovisual das tvs? Uma Rede Globo, por exemplo. Hoje em dia produz conteúdos com dinheiro público que mais tarde serão exibidos em sua grade a custo quase zero. Claro, porque o conteúdo produzido pela Rede Globo sou eu quem pago cada vez que compro meus sucrilhos. A verba publicitária está embutida naquele desembolso que fiz, sai dali e vai para a Globo pagar a produção do seu conteúdo que vejo nos intervalos dos comerciais do sucrilhos que assisto. Quando ela passa a adquirir esse conteúdo pago por empresas que o viabilizaram por meio de renúncia fiscal, então estamos diante de uma política que é mais privada do que pública na medida que premia muito mais as empresas do que os contribuintes-consumidores. Então, o que propor diante dessa questão que pode ser considerada de fundo? O mundo é das corporações, e no Brasil não é diferente. Nesse ponto a equação está, em certa medida, bem resolvida para o audiovisual-produto. Aquele audiovisual que vai bem em todas as janelas porque está endereçado para um apreço mais horizontalizado. Pura diversão. Ali tem espaço para o “product placement”, patrocínios, promoções do tipo “C&A leva você ao cinema. A cada R$ 25, em produtos ganhe um ingresso”. Mesmo a Rede Globo se refestelando com o atual benefício que a lei lhe confere, a coisa tá indo. Tem dado abertura a produtores independentes e uma certa independência na escolha dos temas etc. Já o audiovisual-obra está desamparado. Esse sim precisa ser repensado, sobretudo no aspecto da distribuição. Façamos um exercício do absurdo. O que aconteceria se um filme como Vocação do Poder de Eduardo Escorel recebesse um aporte de mídia como um Se Eu Fosse Você e o mesmo número de cópias deste? Se o filme do Escorel fosse objeto de merchandising na novela das 8 e atração do Faustão? As salas de cinema encheriam nas primeiras sessões e as pessoas sairiam enfurecidas falando mal do filme e as cópias seriam retiradas do circuito? Ou o público usual do “produto” responderia positivamente à “obra” por influência da mídia como o fez com as obras de Rodin quando esteve no Brasil? Que pesquisa prévia poderia simular o poderoso efeito da mídia global sobre a atitude e comportamento do público? Num país com alto grau de analfabetização como o Brasil, discutir política cultural soa quase como um capricho elitista diante desse quadro mais sombrio que é o da educação. O que está sendo vendido de baciada ao lado da gôndola de azeite são filmes tão enlatados quanto. Parte disso é reflexo da baixa auto-estima do brasileiro em não se interessar por seu próprio produto, parte por esse produto não apresentar a qualidade esperada por esse consumidor e parte por falta da tal política que pense além da produção, mas que cubra a distribuição/comunicação. É quase inescapável recorrer à história do ovo e da galinha diante desse cenário.

Futuro

Mas vamos a uma idéia. A explosão do microcinema, ou cinema de bolso, provavelmente afetará todos as relações dessa cadeia produtiva. As operadoras de telefonia celular e os players da internet serão os protagonistas dessa revolução na forma de distribuir e fruir audiovisual que já foi deflagrada. A demanda por audiovisual aumentará e será medianamente servida pela oferta. O porquê do medianamente? A parte bem servida diz respeito ao fácil e barato acesso aos meios de produção do audiovisual. Sonys, Samsungs, Philips da vida estão produzindo equipamentos cada vez melhores e mais baratos. Mas há uma atividade crucial nessa engrenagem que não conseguirá acompanhar esse crescimento dos meios de produzir, distribuir e exibir. É a parte criativa, precisamente o argumento e o roteiro. A dramaturgia do audiovisual-cinema é substancialmente distinta da dramaturgia televisiva ou teatral, estas, ao contrário, estão superdesenvolvidas no Brasil. A banalização da imagem representada pela abundância da oferta parece produzir uma saturação e está criando um consumidor da imagem mais exigente, mais difícil de ser “capturado” em sua atenção, interesse e envolvimento. Essa é a parte que uma política pública deveria centrar o foco. Uma política de fomento ao surgimento de talentos de dramaturgia audiovisual, para começar. Basta caneta e papel. Hoje os talentos para desenvolvimento de argumentos e roteiros cinematográficos são escassos. Não acompanham nem de longe a oferta de talentos de direção, cinematografia e funções técnicas. A única escola de dramaturgia audiovisual é de novo viciada numa mesma chave ideológica e criativa: Rede Globo. É preciso desenvolver talentos que consigam articular essa sofisticada linguagem para tentar modelar um parque audiovisual com a cara e o jeito do Brasil. Com o pouco que temos já mostramos um valor internacional. Mas é preciso criar escala, começando pelo começo, pela nossa capacidade de contar histórias, sejam elas ficcionais ou documentais, experimentais, poéticas, ensaísticas ou o que for. É preciso pensar pequeno, miúdo, naquilo que é a semente de qualquer grande obra. Se como complemento às grandes leis de incentivo fossem desenvolvidas políticas públicas para estimular a criação e produção em pequenos formatos? Em vez de mega sucessos, micro sucessos que, por efeito viral (inteligência coletiva), poderiam se tornar mega sucessos num youtube. Por que não? Não seria a hora de recuar algumas casas e não ignorar essa revolução que nem silenciosa é? Uma política fragmentária por princípio. Atingiria o pequeno produtor, assim como na agricultura, no comércio, na indústria. Não seria esse o caminho para desenvolver nossos talentos? Se o cara se mostrar bom com pouco dinheiro, imagina com os recursos de gente grande? Em suma, uma política pública deveria trazer para a discussão não apenas soluções restritas a produções de grandes formatos. Deveria sim pensar em toda a diversidade do que já está aí e do que está por vir em tecnologia de produção, distribuição e exibição. O ponto crítico é o da criação dramatúrgica. Está não está nem sendo discutida. É como se já estivéssemos resolvidos com os restritos e fechados clubes que já dominam esse saber e fazer ou pior os clubes que estão criando coisas geniais, mas estão sem canal de escoamento. O cinema como arte pode e dever ir muito além da caixinha no supermercado, do lazer euforizante. Deve continuar sendo a arte que mais se aproxima do registro do sonho. Deve continuar contribuindo para gerar desconfortos, inquietações, provocações, inconformismos com o estado das coisas da vida contemporânea. O cinema, como expressão maior e mais complexa da categoria audiovisual precisa de uma política pública que o permita se desenvolver como tal, livre o mais que possível das ideologias corporativas e pragmáticas da sociedade do consumo. Precisa de apoio constante para ser independente no pensar o ser humano e toda a sua fragilidade. Por isso, quanto mais pessoas tiverem acesso ao instrumental teórico, conceitual, prático, técnico etc para a realização do audiovisual, mais pessoas teremos refletindo sobre a nossa humanidade ou nossa capacidade de sonhar, sejam os sonhos luminosos, sejam os mais atemorizantes. De qualquer modo, precisamos dos dois para nos lembrar de quem somos.


São Paulo, 10 de novembro de 2007.

Análise de "O Homem de Aran" de Robert Flaherty (EUA, 1934)

O homem versus a natureza, tema recorrente de Flaherty, ganha dimensões épicas em O Homem de Aran. Personagens com suas jornadas heróicas são apresentados e antagonizados por um ambiente natural grandiloqüente que ora seduz, ora ameaça, ora destrói. O filme parece utilizar roteiro com plot points típicos da narrativa ficcional e ainda é embalado por uma trilha sonora com música, ruídos de ambientação e tudo que sugere um distanciamento do registro documental. Ainda assim, não restam dúvidas de que estamos diante de um filme documentário. Naquela época não havia como captar e sincronizar o som diretamente e o trabalho de Flaherty contorna esse obstáculo e outros quase como uma metáfora do próprio tema de superação do filme. Se o ano não fosse 1934, poder-se-ia dizer ainda que Flaherty incorpora em sua realização as duas tradições que modelariam o gênero documentário a partir dos anos 1960: o cinema direto e o cinema verdade.

Flaherty antecipa premissas estéticas dessas duas vertentes nas escolhas que faz para capturar os modos de vida dos homens de Aran. O espectador não tem como descobrir o que é encenado e o que é “pura realidade”, tamanha a habilidade com que Flaherty articula o desenvolvimento da história. E essa dúvida atua mais a favor do que contra o filme. Longe de soar como falsificador ou fabricante de uma realidade, o enredo “leva a crer” que as coisas são do jeito que estão sendo representadas, ainda que lance mão de artifícios indutores de sentidos, mesmo que tipifique seus atores. O momento histórico da realização é marcado por inúmeras produções cinematográficas com a temática dos “lugares distantes”. Culturas alheias ao progresso e seus códigos sociais são objeto de estudos etnográficos em todas as partes do mundo. Nós os estudiosos, eles os diferentes. Essa é a questão de fundo presente no filme. O tempero ficcional ajuda seu realizador a conduzir a uma conclusão inequívoca sobre aquela sociedade em particular. Sua perspectiva está centralizada muito mais na idéia do “como vivem” aqueles pescadores, apreendendo seus traços identitários sem se preocupar ou julgar o “porquê” estão vivendo daquele jeito. Não esclarece o que anima aqueles habitantes e qual a justificativa para uma vida de permanente confronto com as forças da natureza.

Pode-se identificar uma estrutura aristotélica em 3 atos no filme. O primeiro ato apresenta um homem integrado ao seu habitat. Um menino diverte-se com um crustáceo capturado por ele mesmo com uma alegria tal qual a de uma criança da cidade com seu brinquedo movido à pilha. Estamos diante de uma natureza amiga, dócil. A trilha sentimentalista acompanha e produz uma continuidade com a seqüência seguinte, da mãe em seu lar balançando o berço do bebê. Momento mágico do filme em que Flaherty não faz cerimônia ao empregar o recurso da montagem clássica para produzir rimas visuais, editando a galinha chocando, a galinha cuidando de seus pintinhos enquanto a mãe zelosa e confortadora nina seu bebê e aguarda ansiosamente pelo retorno do menino mais velho.

O segundo ato começa a se anunciar quando o céu se torna ameaçador. Os pescadores estão retornando para casa não sem enfrentar a rejeição do mar. A manipulação da montagem favorece a intensificação dramática da seqüência. É tudo ou nada. Alternam-se tensão-alívio com a edição rápida “vertoviana” sugerindo uma agilidade e superioridade dos pescadores em relação às forças marinhas. Eles vencem. A mulher sai em ajuda aos pescadores que tentam recuperar a rede que ficou na água. A fúria do mar contra as falésias não impede o êxito da ação. Trilha sublinha o triunfo. A natureza mostra sua força, mas o homem a domina.

Um movimento circular do roteiro produz o efeito de previsibilidade daquela vida, o cultivo, a pesca, a integração de todos os membros da comunidade alinhados com as atividades de subsistência. Até o menino tem seu dispositivo de pesca e a ambição de fazer o trabalho dos grandes. A trilha em sincronia com as imagens cria a sensação de realismo com ajuda de sons específicos e planos longos. A citação a Vertov volta na ação do pescador com a marreta em sincronia com a música, imprimindo e destacando o ritmo do trabalho e emprestando uma certa euforia ao filme.

A idéia de um mundo perdido no tempo e no espaço harmoniza com a idéia de um homem natural, ambos em equilíbrio. Apesar de todas as adversidades, aquele povo vive feliz, em família, produzindo. O homem de Aran é por essência um homem coletivo segunda a perspectiva do documentário. As relações sanguíneas, de poder ou de amizade são sonegadas. A aproximação desse homem soa como uma curiosidade que remete ao mundo das formigas e seus modos de produção e sobrevivência.

Os planos em close são raros e induzem ao sentimento de identificação e satisfação das pessoas com aquela vida. A mulher sorri como que aceitando seu duplo papel de “dona de casa” e lavradora. Mais um argumento ratifica a posição de Flaherty, posicionando o homem como dominador de uma natureza hostil e violenta, mas que pode ser domesticada. Não economiza recursos para demonstrar essa supremacia do homem ao capturar um tubarão para a retirada de seu óleo. A montagem paralela aqui demonstra bem a divisão de papéis. Cenas da mulher e da lamparina em casa validam a matança em nome da necessidade de aquecimento e iluminação dos seus predadores. O tubarão, apesar de fornecer o subsídio necessário, é caracterizado como monstro, mesmo estando ele em seu habitat natural. Uma inversão de valor que atesta o poder argumentativo do realizador.

O terceiro e culminante ato é o retorno dos pescadores enfrentando novamente a ira oceânica. Vencido, o mar cobra seu preço arremessando a embarcação contra os rochedos. O peso dramático é conseguido pelo close nos rostos desolados pela perda. O filme termina, mas a vida continua em Aran.



São Paulo, 10 de dezembro de 2007.

Análise de "Peões" de Eduardo Coutinho (Brasil, 1992)

O fato histórico do movimento sindicalista dos metalúrgicos do ABC paulista é amplamente conhecido, analisado e debatido há mais de 20 anos. Peões desenvolve a representação desse momento histórico brasileiro numa chave impressionista. Os personagens selecionados para o documentário são atores sociais coadjuvantes do episódio. Esses personagens pontuam no filme as motivações internas que inicialmente os trouxeram a São Paulo e as motivações externas que, posteriormente, os lançaram sem aviso prévio num tabuleiro de conflitos que culminaram na alteração das relações de poder de toda uma classe trabalhadora. As motivações iniciais resumem-se à busca de uma vida melhor em algum lugar distante daquele que não oferecia a perspectiva de uma vida digna devido às condições de pobreza e instrução dos personagens. O documentário começa dando voz ao indivíduo anônimo, dos bastidores e aos que desempenharam funções triviais e aparentemente sem importância estratégica para o movimento reivindicatório.
Com esse olhar descondicionado, o filme oferece um retrato multidimensional do migrante nordestino livre dos esteriótipos recorrentes nos meios de comunicação de massa. Em programas humorísticos, por exemplo, é comum retratar esse trabalhador por recortes comportamentais caricatos e reducionistas como o machismo, a subserviência e a predisposição festiva. Traços que foram inscritos no imaginário da sociedade ao longo de décadas por personagens históricos ou ficcionais como Lampião ou Didi, por exemplo. O filme derruba esses esteriótipos,
mostrando homens que choram pela lembrança da esposa falecida e das dificuldades por que passaram. Revela mulheres combativas como o caso de Luíza que arremessou uma pedra no marido por este querer furar a greve.
A publicidade representa o nordestino migrante num registro positivo, porém não menos plano, tomando a parte pelo todo. O trabalhador braçal costuma figurar nos comerciais sorridente e gesticulando um sinal de positivo geralmente atuando como um operário-padrão: frentista, manobrista, peão de obra ou, um pouco mais “elitizado”, adquirindo um crédito barato numa agência popular. O filme dá alma a esses rostos-sorrisos da publicidade ao iluminar suas reflexões sobre os efeitos de tarefas fabris que deixaram cicatrizes físicas provocadas pelo choque, pelo corte ou pelo fogo além da “dor na alma” pelo sentimento de incompetência por ter causado um acidente. Embora não contemporânea, a clássica imagem de Tempos Modernos em que Chaplin sai pela rua mimetizando o movimento de aperto de parafusos na linha de montagem encontra sua correspondente documental no plano da personagem Conceição relatando os efeitos do trabalho repetitivo na linha de montagem do chicote. Comenta que repetia os movimentos espontâneos dos braços durante os sonhos. Curioso o depoimento de um dos últimos personagens que ao contrário da maioria, sonhava grande ao querer juntar dinheiro para montar o próprio negócio e não apenas garantir uma vida tranqüila ao se aposentar. Essa é mais uma característica do registro refinado e da diversidade capturada pelo filme que ajuda a desconstruir a percepção dos migrantes em geral, e dos metalúrgicos do ABC em particular, como um bloco feito de iguais.
Um preconceito comum ligado a uma suposta preguiça também é reforçado por figuras icônicas da Bahia como Dorival Caymi. Aqui o folclórico se transforma em preconceito e ainda tenta ser “explicado” por um determinismo geo-climático que levaria a uma baixa produtividade segundo os parâmetros dos centros urbanos industrializados. As novelas também contribuem para reforçar valores negativos associados à baixa instrução, alienação política e submissão dos nordestinos que vieram tentar a sorte nos grandes centros. Em 20 anos isso pouco mudou, pelo menos nas formas de representação da mídia de massa. Não que Peões seja uma ode ao migrante nordestino, longe disso, os depoimentos revelam muito mais ambigüidades na personalidade e motivações dos seus depoentes do que uma coerência ou uma percepção diametralmente oposta às representações citadas.
O documentário estaria datado e pouco útil para uma análise social se as personagens e as imagens do filme não estivessem unidas por um fio condutor narrativo que reacende o interesse por um tema em certa medida desgastado. Os personagens do documentário atraem por apresentar seus relatos num registro nostálgico, revelando as suas impressões diante (e principalmente distante) do fato histórico do qual participaram. E ao costurar esses relatos com imagens de arquivo daquele que figura como o líder, o orientador, o pai, o guia dos personagens-liderados, o filme rompe com um modo de representação que simplesmente reconstitui e ilustra um evento para ganhar valor atemporal, pois toca num elemento do inconsciente coletivo importante do país. Talvez esse seja o ponto de contato mais aderente com o universo social mais amplo que o retratado pelo filme: a esperança de surgimento de um salvador da pátria. A idéia de que alguém deva resolver nossos problemas surge a todo instante e em toda parte, do voto para presidente à eleição do síndico do prédio. O baixo engajamento político é transversal a todas as classes sociais. Os personagens de Peões quando se vêem confrontados com a dura realidade de uma trabalho insalubre e perigoso, dão-se por satisfeitos em terceirizar a resposta àquela situação, entregando seu destino ao líder que se apresenta. Fora do filme e dentro da sociedade, isso se reproduz, voltando ao exemplo do síndico, nas assembléias de condomínios residenciais, onde é facilmente constatável a baixíssima presença dos moradores bem como a disposição em discutir questões de interesse comum. Mas o filme vai além e extrapola esse registro que bem caberia no enredo de uma novela. Os personagens do filme localizam claramente os méritos e a admiração ao quase-presidente. Ao declarar que “Lula e não o PT é que está chegando à presidência” ou que “se ele não fizer o que tem de fazer aí vai ter pau” os personagens se mostram lúcidos e críticos a ponto de se supor que tal adesão já não se daria no presente como se deu no passado de maneira tão absoluta. A ideologia ainda está intacta, mas a personificação da mesma soa abalada no filme.
A visualidade do movimento sindical parece ter contribuído para amplificar o valor do seu líder com uma repercussão que alcança relevância nacional mesmo com os resultados de sua ação limitados a uma única classe, a uma única cidade. Os peões de obras, por exemplo, são contemporâneos e compartilharam dos mesmos riscos e condições de trabalho que os peões de fábrica, mas não construíram a mesma mobilização. Talvez por falta de uma liderança? Ou pela ausência de uma concentração geográfica que facilitasse a mobilização massiva como ocorreu no ABC?
A imagem de Lula incitando os companheiros ou proferindo discursos cumpre papéis distintos dependendo do contexto. Originalmente, as imagens talvez tenham ajudado a criar uma aura para o líder que retroalimentava seu poder mobilizador. Imagens em filme ou vídeo eram caras de se produzir e raras de se acessar e se ainda eram procuradas pela polícia, seu valor se tornava inestimável. A cena do filme em que Zélia que era servente do sindicato indica que se sente participante daquela história por ter fugido com o filme “Linha de Montagem” poderia ser considerada uma síntese do documentário. A personagem correu sérios riscos para proteger o filme e “os meninos”, embora nunca tenha assistido ao filme. Filme esse que está sendo utilizado no próprio filme em que Zélia é uma personagem. Esse evento demonstra o poder de testemunho, de prova ou de documento daquele registro imagético naquele contexto original. O significado das mesmas imagens de Lula discursando na montagem final de Peões altera-se completamente. Vinte anos depois, pessoas de origem semelhante que compartilharam experiências semelhantes chegaram a destinos diferentes. O filme mostra os liderados orgulhosos de terem feito parte de um evento histórico, de terem sacrificado suas vidas pessoais como pai e mãe, terem colocado em risco sua integridade física e suas liberdades individuais sem arrependimentos. Demonstram também que as conquistas materiais foram menores do que o esperado, mas bem maiores do que se tivessem permanecido em suas bases. A trajetória do líder mostrada pelas imagens sugere uma transformação na direção oposta. As primeiras imagens dão conta de um personagem mais parecido com seus liderados tanto no gestual quanto em outros aspectos, mas ao final o apresentam com uma aparência que remete menos ao companheiro de luta e mais ao diretor da fábrica.
O filme trata, portanto, de deslocamentos. Deslocamentos de espaços, de trabalho, de profissão, de vida a que todos e não só os peões do filme estamos sujeitos na sociedade contemporânea. Geraldo, o último a depor, parece intuir essa idéia ao indagar se o diretor do documentário já foi peão. Hoje São Paulo não é mais o centro de atração dos migrantes nordestinos. É apenas um local de passagem, de oportunidades pontuais. As fábricas é que migraram para perto da mão-de-obra barata como conseqüência da descentralização industrial.
Se o documentário fosse produzido hoje, acredito que aquelas mesmas pessoas teriam suas impressões e memórias afetadas pela reeleição de Lula em alguma medida, mesmo que estimuladas pelas mesmas perguntas. Isso alteraria também
o significado daquelas imagens de arquivo. Em que sentido? Para que direção? Só realizando o documentário para saber.



São Paulo, 19 de janeiro de 2007

sábado, 20 de dezembro de 2008

Do amor

Eu fico com a sujeira da estrada
Nada me pega
Te protejo até quando posso
Me agarro na vida e vou
Você me emoldura
Você nos compõe
Somos uno
Entre nós, só o ar
Ar que sustenta
Renova
Escapa
E volta
Tssu
Paro, silencio, berro
Aqueço e expando
Você reflete e repele
Absorvo
Amorteço
Não me importam os pedaços que vão ficando pelo caminho
Não são pegadas em vão
São marcas
São traços
Cinza
Preto
Sujo
Nosso amor segue
Atento ao movimento
Um só movimento
Em estado de amor

Nau

Estar, existir. Bastar
Talvez, frações, talvez
Silêncio, pressão
Avanço e balanço
Mundo cubóide
Curvas retas, absolutas
Ondas redondas, revoltas
Homem ao mar, mar é morte
Quer o luxo, quer o fluxo, quero eterno
Bancos de areia impedem
Idéia vem
Idéia vai
Vai ao ar
Vai ao chão
Chão do mar
Desmancho em ilusão
Recomponho a ambição
Oscilo feito vento que não vejo, só engulo
Arremesso a âncora, paro
Onde estou?
Já não importa. Basta ser
Ânsia do ser em ser
Talvez, estar, talvez